09/01/2009

ZOETROPE

Espectáculo multimédia de Rui Horta e Micro Audio Waves
No Porto, Teatro Experimental Carlos Alberto
8, 9 e 10 de Janeiro, 21h30
"Um dia, os concertos serão assim? Carlos Morgado, dos Micro Audio Waves, responde: "É possível." O espectáculo de Rui Horta e da banda lisboeta "Zoetrope", funde géneros.
Na capital russa, no mês passado, "Zoetrope" abriu o Festival de Dança Contemporânea. Os portugueses foram os convidados especiais. Não tendo bailarinos, apenas contando com o trabalho multimédia do coreógrafo Rui Horta, podia estranhar-se a sua presença ali. Mas o espectáculo, que conta em palco com Carlos Morgado, Cláudia Efe, Flak e Francisco Rebelo, dissipou dúvidas. "Este projecto serve a transversalidade", disse Margarida Gouveia, conselheira cultural da Embaixada portuguesa em Moscovo e a mentora da antestreia fora de portas.
"Zoetrope", referência ao mecanismo que cria a ilusão de movimento pertencente aos primórdios do cinema, apresenta-se num palco forrado com ecrãs, através dos quais circulam imagens que, aos poucos, vão desfiando narrativas, quer seja recorrendo a paisagens, cenas protagonizadas pela vocalista ou simplesmente funcionando como lente ao que sucede na actuação da banda, agora apurados nos gestos. Coordenados.
Uma equipa de 11 elementos, na sua maioria técnicos de imagem, rumou a Moscovo cinco dias antes da antestreia. O primeiro desafio foi transportar o material ido de Montemor-o-Novo, residência artística de Rui Horta, onde o espectáculo, em seis meses, nasceu e foi montado. "Funciono sobretudo com a visão", contou Rui Horta, "enquanto eles raciocinam de forma musical". Durante a viagem, uma mala metalizada exigiu atenção redobrada. Era chamada de "o cérebro". Nela se transportava o "polivoks": aparelho sonoro diferenciador da banda.
Na cidade de avenidas gigantes, onde convivem automóveis topo de gama com carros a cair de velhos e se tropeça em teatros, sobretudo nas redondezas da Praça Vermelha - ao contrário dos cinemas, que parecem escassos -, conjugar, em cena, músicas originais, compostas para o efeito, com uma parafernália de linguagens artísticas gerou ansiedade. Cláudia Efe não o disfarçava: andava nervosa.
Até ao último momento, mesmo antes da subida ao palco, foram feitos ajustes, introduzindo-se detalhes, contou Rui Horta. Obcecado pelo rigor, dizia que alguns aspectos ainda seriam melhorados em Gijon, Espanha, onde estava previsto toda a equipa passar mais uma semana em ensaios, antes de se apresentarem no Porto, onde se inicia digressão, que prossegue para Lisboa, Leiria e, no estrangeiro, Frankfurt, em primeiro lugar.
"Gosto muito do 'cartoon' com os vídeos das caras deles, que transmitem os seus medos". Afinal, "é o que sentimos quando não temos respostas", explicou Rui Horta.
Na visão de Cláudia Efe, o que está em causa é a relação do homem com a máquina. "As transformações tecnológicas dos últimos 100 anos mudaram a nossa vida", disse. "Abordamos a estranheza que os novos 'gadgets' nos podem provocar". No espectáculo, Cláudia Efe observa um pequeno cavalo, que chega a encher o cenário, no que parece retratar uma viagem à infância, e vê o brinquedo escapar-se-lhe. Características oníricas perpassam grande parte da peça: da corrida interminável, ofegante, ao salto, do abismo, para outro lado. Gravações todas elas feitas no Alentejo.
Segundo o guitarrista Flak, este projecto consegue relacionar Ciência e Arte. "Faz pensar de outra forma o mundo dos sons e o mundo das palavras, numa relação mediada pelo corpo".
Carlos Morgado, responsável pelos sons electrónicos, prefere o ângulo existencial. "No fundo, andas sempre à procura de mais liberdade, de algo diferente, que te toque, mas esse algo pode fazer-te regressar a uma vida certinha. É cíclico. É como o Zoetrope.”
DINA MARGATO
Publicado em http://jn.sapo.pt

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